Esse blog é uma homenagem às minhas avós, às avós do meu filho e a todas as mulheres que tem a doce experiência de serem avós. Acredito que no âmbito familiar poucas coisas são tão saudáveis quanto o estar na casa da vovó, desfutar de sua companhia, de seus quitutes e fazer descobertas diárias sobre o mistério que envolve a distãncia entre as coisas do tempo da vovó e a nossa vida cotidiana, principalmente quando somos crianças.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Tia Maria


E assim mais um dia começou...
Eram pouco mais de cinco e Zefa já coava o café. Vovó estava acordada e apoiada no travesseiro sob a cabeceira da cama, recitava o terço em baixo tom pedindo, a Deus proteção para o dia que se iniciava.
O sol  reluzia na janela. É primavera. Os dias agora são mais longos e alegres. Muito sol, flores e pássaros de galho em galho entoam seus cantos.
De repente ouvimos o barulho do portão de entrada se abrindo. Quem poderia ser naquela hora?
Passos leves e um toc-toc na porta ... pronto! Num instante o barulho dos chinelos de Zefa anunciava que havia dado a volta ao redor da casa para atender a porta. Ela bem sabe que abrir a porta da casa nas primeiras horas manhã é coisa que atrapalha quem está dormindo.
- Bom dia Zefa! Esse povo ainda tá durmindo?
Pela fala era Tia Maria. Ela sempre faz isso! Levanta de madrugada e sai para visitar os parentes. Na verdade, nem sei se ela chega a dormir. E se dorme, deve deitar junto com as galinhas, nas primeiras horas do anoitecer!
Foi entrando casa a dentro e direto no quarto da Vovó. Logo falando aquelas coisas que todo mundo sabe que na verdade é para dar um pito, fazer agente sentir vergonha.
Vovó fica muito brava com o jeito dela, mas não consegue demonstrar na hora. Tia Maria é bem mais velha do ela. É a irmã mais velha do meu falecido avô. Cheia de manias e muito, mais muito sistemática. Fica com raiva por qualquer coisa, então, os mais velhos acham que o melhor mesmo é relevar o que ela diz ou faz.
Depois de percorrer todos os quartos e ficar falando que não era preciso levantar por causa dela, seguiu para a cozinha e sentou-se à mesa para tomar o café e prosear. Perguntou a Zefa sobre tudo e todos. Gosta de ter o controle sobre a vida dos parentes.
Aos poucos fomos nos levantando e em pouco tempo todos já estávamos na cozinha escutando suas novidades.
Depois de dar uma volta no quintal, quis algumas mudas de flores do jardim. Sempre leva as mesmas  e não sei porque elas nunca pegam...
De tanto andar pelo quintal, pisou em falso e um de seus chinelos arrebentou a correia. Pensamos que teríamos de emprestá-la um calçado, mas de repente ela abriu a sacola e tirou lá de dentro uma outra sacola com uma bolsinha de tecido estampado. Abriu-a e pegou uma agulha bem grossa e um pedaço de barbante. Ajeitou o barbante na agulha e costurou a correia do chinelo...
Então disse:
- Já são mais de 9 hora e eu tenho que i imbora purque tá ficano tardi!
Despediu de todos, e embora vovó tenha feito o convite para o almoço, ela preferiu ir embora, pois seu dia já estava ganho e era hora de se recolher e descansar.  

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A morte do juiz de Capão Bonito



Chegou correndo e assustado. Seus olhos arregalados não escondiam o pavor que estava sentido. Todos ficamos quietos, calados, olhando fixamente para aquele rosto desfigurado, a espera de uma explicação. Ele não conseguia falar. Estava pálido e suava frio. Foi então que Zefa correu até a cozinha e voltou com com um copo d'água para que ele bebesse. Pegou-o pela mão e o acomodou no banquinho debaixo da janela. Tremia ... aos poucos começou a murmurar umas palavras, mas ninguém conseguiu entender nada.

- O que está acontecendo menino? Perguntou Vovó.
- Morreu alguém? Viu assombração? Continuou perguntando.

Nesse momento fez uma sequência de " em nome do pai ". Todos ficamos olhando assutados com a situação de desespero do primo Jorge. Afinal, ele saiu cedo para jogar bola com uns amigos e volta desse jeito!?

Depois da fase aguda dessa crise de pânico, Jorge contou -nos o que havia acontecido e nem acreditei que pudesse ser verdade uma coisa dessas, mas em todo caso, vou ficar bem caladinha para não dizerem que estou abusando da fraqueza alheia. Assim que puder vou perguntar tudinho ao padre João de Deus.

Jorge disse que quando chegou lá no Capão Bonito encontrou o campo vazio. Caminhou até as casas mais próximas para ver se conseguia ter notícias dos amigos que jogam no time. Tinham marcado o jogo para as 10 horas, faltavam 10 minutos e o campo estava vazio. 

No caminho encontrou Sô Lião, um velho que anda todo o vilarejo apoiado na bengala e que sabe de toda aquela gente do lugar. Foi informado da morte do juiz que ia apitar o jogo. Então deduziu que todos estavam no velório e rumou para o lugar indicado. Lá estavam todos os jogadores, os moradores do lugar e padre João de Deus  que para lá foi afim de encomendar a alma do morto.

Enquanto o padre rezava, as filhas de Maria entoavam cantigos funebres, outros sussuravam a reza do terço e uma grande maioria lamentava aquela morte fazendo o tradicional julgamento das boas e más obras praticadas por aquele homem em vida. Uma espécie de julgamento de Osíris.

O padre rezava e salpicava água benta no corpo estendido na velha padiola. Caixão naquelas bandas é para poucos. Começou a benção pelos pés, que alguns, depois do ocorrido, juram terem visto se mexer quando gotas de água fria neles foram salpicadas pelo sacerdote. E foi distribuindo gotas de água benta corpo acima, até que ... quando chegou a vez do rosto deu a brocha para o sacristão molhar enquanto fazia o sinal da cruz sob a cabeça do defunto.

O sacristão, muito distraído, não tirou o excesso d'água da brocha e quando o padre salpicou a água ... deu um banho de água fria no rosto do morto que se levantou na hora, pois não estava morto, estava desfalecido.

Num instante, saiu o sacristão correndo porta a fora e atrás dele metade dos presentes naquele velório. A outra metade saiu pela janela tal como fez o padre. Na confusão, o morto também se assustou e saiu porta a fora correndo, não sabia  ele, dele mesmo ... espalhou gente para todos os cantos. E foi dessa maneira que primo Jorge chegou aqui na na casa da Vovó com jeito de quem havia visto assombração.
E não é que ele viu!?

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Um segredo de família

Há coisas que nem imaginamos encontrar pelo caminho. Como a carta que vi vovó tirar do baú. Ela guarda uns papeis antigos dentro de uma caixinha de papelão, que na verdade é uma antiga caixa de sabonetes. Muito bonitinha, velha, mas tão limpinha que dá gosto de ver.

Vovó ficou um bom tempo lendo e relendo a carta. Até que não resisti e me aproximei. Pensei que ela iria me mandar sair, mas para a minha surpresa ela me deu a carta para ler. Nem acreditei quando olhei seu braço estendido com a carta na mão, esperando eu pegá-la para ler.

No primeiro momento me chamou a atenção a caligrafia de aparência muito antiga. Antiga e toda certinha! Um capricho só! Depois fui me prendendo à leitura que trazia o relato de um segredo de família que até então eu desconhecia.

" Rio de Janeiro, 9 de setembro de 1955.

             Minha querida irmã,

            Escrevo-lhe com o coração aflito, pois bem sabes que há dois anos estou sem saber notícias de minhas crianças que contigo deixei enquanto vim tentar refazer minha vida aqui na Capital do país. Espero em Deus que essa carta encontrem todos gozando de muita paz e saúde.

           Sei que somente Deus poderá lhe recompensar pela bondade que tens demonstrado cuidando e criando dos meus filhos. Efigênio, Lia, Cecília e Marília. Quatro pedaços de mim que por força do destino tive que deixar para trás. Fico imaginando como devem estar crescidos e bonitos. Sim, pois tenho confiança nos seus cuidados de mãe para com eles. Ontem foi aniversário de Lia, acho que agora você vai poder deixá-la frequentar a escola  e o catecismo. Ela já tem sete anos, meu Deus!!! Que saudades!

           Sei que você deve estar imaginando como tenho me virado por aqui. Digo-lhe que não se preocupe comigo, já consegui um trabalho honesto e tenho um bom ordenado, estou até pensando em enviar um pouco de dinheiro todo início de mês para ajudar nas despesas com as crianças. Sei que você não precisa disso, mas faço questão de ajudar e assim que puder darei um jeito de buscá-los para viverem comigo.

           Uma novidade que tenho é que me casei novamente. Isso mesmo! Meu novo marido é viúvo e tem dois filhos já casados. Nós moramos num bairro muito antigo e tranquilo que fica bem perto do centro da cidade. Chama-se Santa Teresa. Sei que você deve estar se perguntando como consegui me casar se já sou casada aí em MG. Não vou mentir para você. O medo de ser encontrada pelo pai dos meus filhos foi tão grande naqueles anos terríveis, que mudei de nome e assumi outra identidade. Disse no cartório que nunca havia sido registrada e me registrei com  outro nome. Agora me chamo Joana Pires de Sanches.

            Quando penso em nossa gente, aí pelas bandas de Minas fico toda arrepiada de saudades e disparo a chorar. Lembro de nossas pescarias, das comidas da mamãe (que Deus a tenha!), das festas no Ribeirão, dos biscoitos de Vovó Luzia ... Ela ainda é viva? se for já deve ter mais de cem anos, não é mesmo? Lembro bem do seus vestidos longos e brancos, tão longos que varriam a poeira do caminho por onde passava.

            Vou me despedindo por aqui, na certeza de que em breve eu e meu novo marido iremos a minas buscar meus filhos. Um grande abraço para todos aí. Fiquem com Deus e abençoe os meus filhos por mim.

            Da irmã que roga a Deus por ti todos os dias, e que nunca te esquece.

             Josefina da Cruz, agora , Joana Pires de Sanches. "
  

Agora entendi porque às vezes acho alguns da família tão diferentes da maioria. É que na verdade são primos de mamãe e sobrinhos de Vovó. Ela me disse que essa foi a única notícia que a se teve na família da irmã que foi para longe ... 

sábado, 3 de setembro de 2011

O sumiço do bolo

Imagem cybercook2.terra
Acordamos bem cedo e fomos caminhar na estrada principal. Nestes dias quentes de quase primavera todos acordam animados e imaginando as travessuras possíveis de fazer.
Vovó foi conosco. Zefa tinha ído com minhas tias fazer uma limpeza no paiol.
Caminhamos até a venda do Honório. O lugar é uma mistura de casa e comércio, pois ele e a esposa moram lá, plantam, criam aves e vendem de tudo um pouco. De tempero a cachaça. 
Vovó queria comprar ovos de pata para dar gemada ao Serafim. Ele está mudando a voz e ninguém está mais aguentado ouvir aquele barulho de taquara rouca.
Serafim é um moleque que foi abandonado pela mãe quando nasceu. Ela trabalhava no sítio e conheceu um caixeiro viajante que passou uns dias aqui nas redondezas. Os dois se enrabicharam e ela ficou barriguda. O tal homem foi embora sem deixar rastro e então, nasceu o Serafim.  Dois meses depois Mariquita foi embora e largou o menino nos braços de vovó.
Nossa andança durou quase duas horas. Nos divertimos muito e bateu uma fome danada. A sorte é que havíamos deixado  na mesa de café um bolo quase inteiro. Planejamos comê-lo assim que chegássemos em casa.
A mesa de café ficou posta na varanda. Cobrimos tudo direitinho antes de sairmos, para mosquito e passarinho não alcançar.
Qual foi a nossa surpresa ao chegarmos em casa e irmos direto para a mesa de café?
O bolo já não estava lá! Perguntamos a Zefa e ela disse que não tinha visto ninguém comer. ficamos desapontados e intrigados com o sumiço do bolo.
Debaixo do pé de pitanga, um olhar com jeito de quero mais, assume a culpa. Peludo, branco e com manchas pretas, com o rabo abanando a zombar de nós...