Esse blog é uma homenagem às minhas avós, às avós do meu filho e a todas as mulheres que tem a doce experiência de serem avós. Acredito que no âmbito familiar poucas coisas são tão saudáveis quanto o estar na casa da vovó, desfutar de sua companhia, de seus quitutes e fazer descobertas diárias sobre o mistério que envolve a distãncia entre as coisas do tempo da vovó e a nossa vida cotidiana, principalmente quando somos crianças.

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domingo, 28 de agosto de 2011

Caboclo D'água


 fonte:   jangadabrasil
Hoje Francisca foi veio para o almoço sem ser convidada. Ela sempre faz isso e nem se envergonha de sentar-se à mesa e se fartar. Nem tem paciência de esperar a comida ficar pronta. A todo momento pergunta quantas horas já são e diz que tem que ir embora porque não pode chegar tarde em casa. Também com o cheiro do picadinho de mamão que vovó preparou ...
É o tipo de pessoa que levanta antes do galo cantar e vai dormir assim que anoitece. Anda o dia todo e sabe da vida de toda parentada.
A desculpa dela hoje foi a de que não podia ir embora tarde porque tinha que atravessar o rio e estava com medo do Caboclo D'água aparecer pra ela. Isso devido a uma conversa que surgiu lá pelos lados da Ponte Quebrada, onde um grupo de meninos que estavam nadando no rio disseram terem sidos atacados pelo tal Caboclo D'água. Eu não me importo com essas conversas. Sei que é tudo confusão desse povo que desconhece a lenda. Imagine se tem condições de morar um homem submerso nas águas do rio...
O que existe mesmo  e eu já vi, é a Mãe do Ouro. Essa ataca mesmo!!! Toda vez que alguém tenta encontrar o seu tesouro enterrado lá atrás da serra, ela aparece com sua calda brilhante e quando o sujeito fica olhando demais pra ela, acaba ficando cego.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pica Chão, faz qualquer negócio!



Sempre solitário em cima de seu alazão. Assim vive o caminheiro João da Cruz, mais conhecido como Pica Chão, pelas infinitas horas abrindo picadas no chão do sertão. É o tipo pau para toda obra. Leva recados, mercadorias e  quem quiser subir na sua garupa. Vai a qualquer parte da redondeza e em troca recebe o que o freguês puder pagar. Galinhas, leitões, farinha, dinheiro, ovos, frutas frescas, verduras, roupas usadas, feixe de lenha e assim vai a lista que enche sua bruaca e serve de moeda no comércio que faz por onde passa. Pica Chão, faz qualquer negócio!
Vovó está ansiosa por sua chegada. Ela vai mandar entregar uma daquelas jarras antigas que ela guarda no baú, lá na fazenda Barra Limpa, pelas bandas do Córrego Fundo. Zé do gole está doente e sua mulher, Zefa de Serafina de Zé Gato, precisa dela para facilitar os cuidados com o moribundo que não sai mais da cama. Essa gente joga fora tudo que é antigo e quando precisa ...
Pica Chão vai trazer também uma encomenda para Vovó. Vem lá de São Gonçalo de Cima, da casa de Terezão, primo distante de meu falecido avô. Terezão parece ser apelido de mulher, uma daquelas bem grande e gorda, mas nesse caso não é.  Terezão na verdade é  apelido, pois o nome dele é Arlindo Gonçalves. Dizem que o apelido veio pelo fato de que quando ele se casou fazia questão de ajudar a sua mulher nas tarefas da casa e os outros homens da família achavam um absurdo! Como sua mulher chama-se Tereza, deram a ele esse apelido.
Enquanto esperamos Pica chão chegar, vou aproveitar para dar um jeito de convencer Vovó a me deixar trocar com ele duas galinhas garninzé por um queijo serrano bem grande e um pote de goiabada cascão. Delícia!!!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Dividindo as almas ...

Hoje tivemos roda de prosa depois do jantar. Vovó sabe muitas histórias engraçadas, e foi um daqueles dias em que ela quase nos matou de rir. Riquinho de dona Maria do Lamento, veio trazer uns ovos de galinha d'angola para por no ninho das chocadeiras, ficou ouvindo a prosa, riu tanto que chegou a molhar as calças e teve que ir embora às pressas. 
Vovó contou que no cemitério lá de Passa Ninguém, havia um abacateiro carregado. O povo observava as frutas, mas ninguém tinha coragem de comer fruta colhida em cemitério. Para piorar a situação o vigia achava falta de respeito mexer nas coisas que ele conservava para os mortos. Mas mortos não comem abacates!!!
Então, dois amigos combinaram de entrar lá a noite e apanhar os abacates para venderem na Freguesia de Cima. Assim, ninguém iria ficar sabendo quem pegou os frutos e quando a notícia do sumiço se espalhasse, quem os comprou já haveria de tê-los comido e nem se lembrariam ...
Eles pularam o muro, subiram na árvore com as sacolas penduradas no ombro e começaram a dividir os abacates:
- Um pra mim, um pra você...
- Um pra mim, um pra você...
De repente caíram dois abacates do lado de fora do muro! Um dos homens disse:
- Tem problema não. Quando a gente terminar aqui, nós pegamos os de lá! 
O outro respondeu:
- Então tá bom, mas um pra mim e um pra você...
Um bêbado passava do lado de fora do cemitério e escutou a conversa de "um pra mim e um pra você" e saiu correndo para a delegacia.
Chegando lá, disse para o guarda:
- Seu guarda, vem comigo! Deus e o diabo estão dividindo as almas lá no cemitério!
O guarda não acreditou na história, mas para ficar livre do bêbado resolveu acompanhá-lo até o cemitério.
Chegando perto do muro começaram a escutar:
- Um pra mim, um pra você ...
O guarda arregalou os olhos e disse:
- É verdade! É o apocalipse! eles estão dividindo as almas dos mortos e o que será que vem depois?
Continuaram escutando, tremendo, suando frio ...
- Um pra mim, um pra você ... Pronto! Acabou. E agora?
O outro respondeu:
- Agora a gente vai lá fora e pega os dois que estão do outro lado do muro ...
O guarda olhou para o bêbado e ...
- Coooooooooooooorre!!!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Chá sabugueiro e cama !!!

 
Imagem tirada no ecosanto
 
Primo Zeca está com bolhas d'água no corpo todo. São bem miudinhas mas já percebi que é coisa que pega. Renatinha disse que deve ser catapora, mas vovó não arrisca dizer o que pode ser, porque Zeca não teve febre ainda ... No fundo, acho que ela não quer é nos assustar. Mandou chamar o Batistinha, o moço que cuida da horta e do quintal e pediu a ele para buscar algumas folhas e flores de sabugueiro.
Imagino que ela vai fazer um chá para o coitado do meu primo, pois é para isso que servem as ervas que ela cultiva com tanto cuidado. Esses chás costumam serem amargos e ela nos obriga a tomar uma chaleira inteira ...
Eu não conhecia sabugueiro. Como sou muito curiosa, pedi ao Batistinha para eu ir junto sem que vovó percebesse, porque desde que a Maria Pureza foi picada por uma cascavel e morreu envenenada, os adultos daqui não gostam que entremos no mato cerrado. Se a ordem era buscar folhas no mato, não havia outro recurso a não ser atravessar o pasto e procurar lá na beira da grota. Batistinha disse que a antiga horta ficava lá e muitas ervas que foram plantadas antes de vovó mandar fazer a horta  do quintal  é lá que vamos encontrar. São plantas que viraram árvores.
Calcei um par de botinas velhas que estava no barracão e fui junto para conhecer o pé de sabugueiro. No caminho Batistinha me contou que é uma árvore que dá flores brancas e frutos da cor de jabuticaba. Com as folhas se faz chá para quase tudo, principalmente para por as brotoejas para fora.. É uma planta meio sagrada, pois foi de uma igualzinha a que vimos, que cortaram a madeira para fazer a cruz que Jesus carregou para o calvário.
Assim fiquei sabendo que catapora e brotoeja são parentes. Pela quantidade de sabugueiro que vovó mandou trazer,  todas as crianças da casa terão que beber do chá, para por logo para fora do corpo as cataporas.
Vovó disse que essa doença é contagiosa e se pega muito fácil quando temos contato com alguém infectado. Sei que se eu tiver muita sorte não terei  cataporas, mas de tomar o chá eu não vou conseguir escapar ... Já estão me chamando ... Vai ser chá de sabugueiro e cama!!!