Se minhas avós fossem vivas, a materna teria 96 e a paterna 112 anos. Eram pessoas muito diferentes e por isso como neta tenho sentimentos variados a respeito delas. Nesse blog, inicialmente não falarei de avôs, porque eu não conheci os meus e acho difícil falar daquilo que desconheço intimamente. Quando nasci, ambos já eram falecidos há anos.
Minha avó paterna, que chamávamos de vovó Tiana, aparentava ser triste, era calada, sempre vestida com uma saia franzida ou pregueada e uma blusa tipo camisa com manga três quartos, feitas do mesmo tecido. Gostava de fazer coque nos cabelos e usar sandálias bem rasteiras. Às vezes amarrava um lenço sobre os cabelos e colocava um avental. Mesmo morando numa cidade grande, cultivava hábitos rurais.
Seu fogão era a lenha, dependurava carnes no bambu para defumar e cobria seu rádio com um pano branco, que na verdade aparentava ser cinza devido à fumaça da cozinha. Embora tenha nascido num tempo em que as moças se casavam cedo, ela não seguiu a regra. Teve filhos na idade madura e sendo meu pai um dos mais novos, a diferença de idade entre ela e nós netos fazia certa diferença. Talvez por isso nossos laços não tenham sido tão estreitos como é com nossas tias.
Lembro-me que ela gostava muito de frango com quiabo e angú, também de verduras, algumas dessas que se colhe no mato ... Dizem que ela era filha de uma índia que foi pega no laço para se casar com o meu bisavô. Mas como essa história é comum aqui em Minas, não dou muito crédito quanto a veracidade do fato.
Da minha avó materna sei quase toda a sua história de vida. A nossa convivência não era tão cotidiana quanto com a minha avó paterna, mas todos os momentos que passamos juntas foram de excelente qualidade. Até nos seus momentos de doença! Por isso, aprendi muito sobre ela e com ela, o restante minha mãe transmitiu.
Chamávamos a ela de vovó Chica. Era morena de olhos azuis, usava os cabelos em coque e sempre grisalhos, suas roupas eram modernas, gostava de calça comprida;, cantava no coral e era mãos de fada na cozinha.
Morava no interior. Além do seu fumegante fogão a lenha, lembro-me da bica de água onde lavava suas vasilhas areando com cinza e areia. Eu tinha vontade de arear as panelas com ela, mas pela minha idade ela não deixava e então eu ficava brincando no rego d` água com minhas primas.
Era muito rezadeira. Seu quarto tinha muitos santos e quadros religiosos. ela tinha um baú que pertenceu à sogra dela e a cruz de madeira que meu avô segurou no leito de morte. Essa hoje está sob meus cuidados.
Vovó casou-se muito jovem. Casamento arranjado pelo meu bisavô. Ela foi obrigada a se casar! Contou-nos certa vez que, no dia do seu casamento, quando se aproximava a hora de ir para a igreja, ela subiu e se escondeu num enorme pé de laranja. Meu bisavô e seus irmãos a encontraram e sacudiram a laranjeira até ela cair no chão. Não teve outra saída, casou-se e teve 9 filhos, ficando viúva aos 36 anos de idade.A partir daí dedicou-se a criar os 9 filhos e mais 2 sobrinhos como filhos adotivos.
Era famosa por ser uma boa parteira. Gostava do almoço com a família no dia das mães, no Natal e no dia do seu aniversário. Fazia questão de bolo e presentes! Sua amabilidade conquistava a todos e por isso sua casa ficava sempre cheia. Ninguém a visitava sem tomar " café com biscoito" . Por isso, no dia de sua morte, durante o velório, minhas tias serviram "café com biscoito" para quem quisesse.
Foi uma mulher do tempo em que vivia. Não se privava de nada pela idade ou preconceitos. Torcia para o time do Cruzeiro, jogava na loteria, votava e como não pode estudar na juventude, completou o ensino básico aos 57 anos.
Três coisas ela cultivava: a união da família, o respeito à opinião dos outros e não falava mal das pessoas.